sábado, 24 de janeiro de 2009

A clássica polêmica sobre teoria da crise

Parte I

Grossmann (HG) foi um militante marxista polonês da época de Rosa Luxemburgo que fez publicar um livro memorável poucos meses antes do crack de 1929, que veio a representar um marco e um divisor de águas no debate marxista sobre crises capitalistas.
O primeiro debate histórico sobre teoria da crise do capitalismo se deu pouco depois da publicação do segundo livro de O capital, em 1885: a partir dali e durante quase quatro décadas, partindo de autores que vão desde aqueles do marxismo legal russo à II Internacional, vários autores travaram polêmica e deixaram os textos clássicos sobre o tema. Um setor daqueles autores tendia a ver o sistema evoluindo para a derrocada, mas outros autores desviaram foco da tendência do sistema à estagnação, à derrocada passando a enxergar, a partir de sua respectiva teoria da crise, o capitalismo como um modo de produção que tendia ao equilíbrio, a movimentos cíclicos que garantiam a auto-sustentabilidade do sistema.

Em linhas bem gerais, este último grupo de autores tendia a não enxergar o capitalismo como tendo entrado – depois das dores do parto imperialista através da grande depressão de 1873 a 1896 - em uma era de crises, guerras e revoluções, com a expansão mundial do processo de acumulação do capital tensionada pelo espaço ou existência local do Estado nação, sede das frações em disputa do grande capital global.

Aliás, uma vez que o capitalismo “superou” pacificamente aquela sua primeira grande depressão que foi dos anos 70 aos fim do século XIX, desenvolveu-se essa nova onda política no seio do próprio marxismo, na linha de enxergar um sistema que não era tão catastrófico assim, que era “capaz” de superar crises. Bernstein, em 1896, com sua teoria do subconsumo como causa da crise capitalista foi seguido em 1905 por Tugan com sua convicção econômica de que o sistema não tendia à derrocada e sim a uma espécie de reprodução sem fim (Otto Bauer também pensava mais ou menos assim, argumentando que só a falta de um plano é que levava o sistema à crise).

Hilferding, em 1910, via o capitalismo em equilíbrio; e tanto este autor como os demais – como regra – fundavam suas conclusões em Marx, mais precisamente, nos esquemas de reprodução ampliada do capital, do livro dois de O capital. Vários deles pensavam que o capitalismo poderia não ir à crise se mantivesse uma proporção entre os dois departamentos da economia, o produtor de bens de capital e o produtor de bens de consumo.
Rolsdolsky agrupa uma boa parte destes autores com a qualificação de neoharmonicistas, que pregavam a harmonia do sistema a partir de uma abordagem parcial de O capital de Marx.

(Um parêntesis aqui é que autores como Kautsky, que viam o sistema marchando para o colapso econômico eram igualmente conciliadores e reformistas politicamente. O que só mostra, como já argumentou Esteban Mercatante, que uma determinada teoria da crise não é garantia da correta teoria da revolução).

A importância fundamental de HG nisso tudo e na condição de uma espécie de arremate daquele debate, é que ele será o primeiro, pelo menos em termos de maior visibilidade e alcance da argumentação, a romper com esse foco, não só neo-harmonicista mas, sobretudo, rompendo com as explicações unilaterais, pela direita ou pela esquerda, da teoria da crise. E o faz partindo do de Marx, dos três livros de O capital da forma mais magistral (evidentemente se não se levar em conta as elaborações econômicas de Trotski, da mesma época, cujo alcance político e teórico é ímpar). HG recupera o Marx clássico de O Capital, para as novas condições dos anos vinte, trinta e com uma profundidade que o torna atual nos nossos dias. (Reiterando: evidentemente, ao contrário, de Trotski, HG não chega a integrar e avaliar a crise global capitalista em sua totalidade: economia, luta de classes e lutas inter-estatais).

É verdade que Rosa analisa em 1912, que o capitalismo tende a afundar E demonstra isso pelas próprias tendências econômicas do sistema. (Cunow tinha adiantado este ponto em 1898). Mas sua análise da crise é, como se sabe, parcial. Via o limite do sistema a partir do momento em que este “colonizasse” todo o entorno não-capitalista. Ela não via claramente um capitalismo que concorre entre si, entre os países imperialistas, e que se apóia neste processo e em outras contra-tendências para fugir para adiante. (Em 1915 Bukharin irá criticar o foco de Rosa). Ela não via, sobretudo, como bem demonstrara HG, que não é preciso pensar em “novas áreas”, o capitalismo estreita as bases históricas da valorização do capital a partir da própria lógica histórica da acumulação.

Muito tempo depois, em 1927, Hilferding continuará argumentando que o sistema não tende ao colapso, contrariando Rosa e os bolcheviques, dizia ele, e insistia que o que existe, na verdade, é o capitalismo organizado Dois anos depois o capitalismo se desorganizou por inteiro. O livro de HG, de antes do crack, permitia, pelo contrário, compreende-lo perfeitamente.

Grossmann: trajetória
Henryk Grossmann (1882-1950), filho de prospera família de judeus, foi um marxista de origem polonesa (Cracóvia) cuja obra-prima (A lei da acumulação do capital...) foi publicada em 1929, em Leipzig, meses antes do crack. Ativista estudantil e partidário na Polônia, ao lado de Karl Radek, em um dos três partidos de esquerda da Polônia da virada do século XIX para o XX, era próximo do partido de Rosa.

Estudou direito e economia na Cracóvia e em Viena até o início da segunda década do século XX. De 1922 a 1925, foi professor de economia na Universidade Livre da Polônia e, fugindo de perseguição política emigrou para a Alemanha, onde integrou o Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt até a posse de Hitler em 1933. Novamente teve que emigrar e viveu em relativo isolamento nos Estados Unidos por doze anos (1937-1949). Em 1949, assumiu cátedra de economia na Universidade de Leipzig, Alemanha Oriental. Morreu pouco depois.

Com o seu A lei da acumulação..., procurou demonstrar que a crítica à economia política marxista vinha sendo subestimada e enormemente vulgarizada, justamente ela que constituía a mais poderosa ferramenta na condição de teoria da crise capitalista. Uma boa introdução ao pensamento de HG é o livro de P. Mattick Crise e teoria da crise, publicado anos depois da morte de Grossmann (que existe em tradução para o espanhol pela Editora Era, do México).


GilsonD Brasília, 14/1/09